Morcegos, Nervos e o Voo: Um Estudo sobre o Plexo Braquial

Publicado em: 17/03/2025
Texto por: Daniel A. Damasceno Junior
Foto: Toledo et al., 2023.
Estudo descreve origem, estrutura e distribuição de nervos em músculos e asas de diferentes grupos de morcegos. Conheça hoje Karen S. Toledo, que investiga e descreve origem, estrutura e distribuição de nervos em músculos e asas de diferentes grupos de morcegos.
Plexo Braquial: O que é?
Os morcegos são o único grupo de mamíferos que apresenta o voo impulsionado e para isso, demonstram diversas marcas de adaptações morfológicas, como as pernas menos desenvolvidas para reduzir peso. Os mesmos nervos e músculos que atuam na locomoção de animais quadrúpedes também atuam no bater de asas de animais alados como os morcegos. Esse conjunto é conhecido como Plexo Braquial. Karen Toledo, pesquisadora e autora de um artigo sobre o assunto, explica que mesmo com a diversidade de espécies e hábitos alimentares (frugívoros, hematófagos, insetívoros, nectarívoros, entre outros), muito pouco é conhecido sobre o plexo braquial em morcegos, o que torna esta pesquisa quase inédita: “Como morcegos são os únicos mamíferos com voo ativo, nos pareceu interessante entender como é a anatomia dessa rede de nervos, quais são as origens, ou seja, quais regiões da medula espinhal participam, como essas raízes interagem entre si e quais são os músculos e regiões da asa inervados”, diz a autora.
O plexo braquial é o conjunto de nervos responsáveis por aspectos sensitivos (como o tato) e motores (movimentação) dos membros craniais ao tronco, no caso de morcegos e aves. Esse conjunto de nervos envia e recebe informações dos membros superiores. Por exemplo, recebe informações sobre calor, frio, dor, entre outros. Ele também envia comandos de movimento para o braço, antebraço e mãos. O plexo braquial é amplamente estudado por sua importância para a locomoção em diversos grupos como os ornitorrincos, marsupiais de grande porte (como os cangurus) e de pequeno porte (como os gambás), roedores, primatas e outros grupos.
O Estudo e sua relevância
O estudo, assinado por Karen e colaboradores, investigou machos adultos das espécies Artibeus lituratus, Desmodus rotundus, Glossophaga soricina e Phyllostomus hastatus, todos depositados na coleção Adriano Lúcio Peracchi, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Os morcegos foram dissecados e tiveram suas estruturas completamente expostas, deixando à mostra o sistema de nervos e músculos dos espécimes. O estudo conta com “diferentes morfologias de asa e diferentes perspectivas: raízes, troncos nervosos, nervos resultantes, relação nervo-músculo, assim como variações e assimetrias”, conta a pesquisadora.
A pesquisa identificou que poucas foram as diferenças entre as espécies, mas algumas demonstraram maior semelhança entre si. Desmodus rotundus - uma espécie hematófaga, ou seja, alimenta-se de sangue de mamíferos - e Phyllostomus hastatus, um morcegos generalista com dieta variada, tem os plexos braquiais com formações similares de raízes. Já Glossophaga soricina, um morcego nectarívoro, e Artibeus lituratus, frugívoro - diferem entre os demais. Toledo explica que “os plexos braquiais desses quatro morcegos da mesma família (Phyllostomidae) recebem contribuição do quarto nervo espinhal cervical (chamado C4), ao segundo nervo torácico espinhal (chamado T2), variando de acordo com a espécie, claro”. E complementa: “Além disso, fomos capazes de descrever a inervação dos patágios que formam a asa e confirmar a contribuição do plexo braquial para essa região!”
Plexo braquial em: Glossophaga soricina (A e B), Artibeus lituratus (C e D), Desmodus rotundus (E), e Phyllostomus hastatus (F). C4 a C8 - Nervos cervicais da espinha; T1 e T2 - Nervos torácicos da espinha; Quadrado preenchido, truncus caudalis; Quadrado não preenchido, truncus cranialis.
Quando perguntada sobre possíveis hipóteses para tais resultados, Karen afirma que por ser um estudo pioneiro e com uma baixa quantidade de amostras, não há dados suficientes para hipóteses amplas, mas afirma: “é pouco comum encontrarmos na literatura de animais não-humanos o surgimento do nervo dorsalis scapulae a partir do plexo braquial, e uma das possíveis explicações é o movimento executado pelas asas dos morcegos, ou seja, pode estar relacionado com a biomecânica do voo”. Karen também menciona que o nervo radialis foi formado por mais raízes nervosas (nervos espinhais) em comparação com outros animais aparentados (ungulados e carnívoros), e pondera: “Pode estar associado com a demanda de fibras nervosas para uma das membranas da asa, o propatágio.”
Sobre a Autora
Karen Toledo relembra que seu encontro com os morcegos não foi algo planejado. Sua ideia inicial era trabalhar com sistema nervoso de marsupiais, mas o professor Adriano Lúcio Peracchi, um grande especialista em morcegos, sugeriu que ela mudasse para estes animais. Karen conta que ao ser apresentada à coleção de morcegos, que na época contava com mais de 12 mil espécimes, decidiu pesquisar o grupo. Graduada em Ciências Biológicas e com Mestrado em Biologia Animal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e com especialização em Divulgação da Ciência pela Fiocruz. Atualmente a pesquisadora é Doutoranda na Fiocruz e investiga a representação de morcegos na mídia pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT - CPCT/Fiocruz): “Hoje ainda faço pesquisa com morfologia no mesmo laboratório onde aprendi a amá-los e consegui trazê-los até para o meu doutorado, em divulgação científica, onde estudo a representação social deles na mídia brasileira.” Karen também coordena a equipe de comunicação da Sociedade Brasileira para o Estudo dos Quirópteros - SBEQ, e acrescenta: “A partir do momento em que você conhece melhor os morcegos, acho que é impossível não se apaixonar.”