Ambientes Subterrâneos: Como vão os estudos sobre morcegos em cavernas?

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Publicado em: 24/03/2025
Texto por: Daniel A. Damasceno Junior
Foto: Acervo Vale.

Os conhecimentos acumulados ao longo dos anos reunidos no livro “Fauna Cavernícola do Brasil” lançado em 2022. O mundo da bioespeleologia (bio= vida, spelaion=caverna) e seus desafios é o tema da matéria de hoje, com comentários da pesquisadora Aline da Silva Reis.

Espeleologia ou Biologia Subterrânea: O que é?

A biologia subterrânea, como vem sendo chamada, é a área que estuda os organismos e suas interações e relações nesse ambiente. No Brasil, já foram catalogadas mais de 22 mil cavernas, e mais de 591 espécies animais já foram catalogadas nesses ambientes. Os morcegos são essenciais para a manutenção da vida nas cavernas. Como nem sempre as cavernas são bem iluminadas, organismos primários (como plantas ou algas, por exemplo) não conseguem fazer fotossíntese e se desenvolver nestes locais.
Como explica a autora Aline da Silva Reis: “Em algumas cavernas, o guano (acúmulo de fezes e outros materiais orgânicos deixados por morcegos) é a principal fonte de energia, servindo de alimento para diversos invertebrados. Essa relação pode ser tão específica que alguns invertebrados se alimentam exclusivamente de guano, sendo conhecidos como guanóbios. Em contrapartida, as cavernas também são importantes para diferentes espécies de morcegos, que encontram nestes ambientes locais preferenciais de abrigo e reprodução.” Assim, animais como os morcegos, que saem para buscar alimento fora das cavernas, são os principais responsáveis por trazer matéria orgânica para dentro delas, ajudando a fornecer recursos. Por exemplo, através de restos de frutas ou animais capturados pelos morcegos, ou ainda fezes despejadas, os organismos decompositores formam a base alimentar para a comunidade que vive ali dentro.


Capa do livro Fauna Cavernícola do Brasil. O livro é organizado por Robson Almeida Zampaulo e Xavier Prous tem 27 capítulos.

O livro “Fauna Cavernícola do Brasil” lançado em 2022, traz informações sobre os diversos aspectos que envolvem o estudo de cavernas, desde informações sobre a macro- e micro-fauna destes ambientes e sua dinâmica, até aspectos da legislação de proteção e as histórias que envolvem o mundo das cavernas. O livro está disponível no site da Editora Rupestre. O capítulo que aborda morcegos é assinado por Mariane Soares Ribeiro Pereira, Aline da Silva Reis e Valéria da Cunha Tavares, que também apresentam os métodos e ferramentas utilizados para a pesquisa nesse ambiente. Que tal conhecer mais sobre os ambientes subterrâneos e os morcegos que habitam esses locais?

Morcegos e o Estudo em Cavernas

Cavernas e morcegos caminham juntos desde os primeiros estudos de ambientes subterrâneos em 1952, mas foi a partir de 1980 que os estudos de quirópteros em cavernas se intensificaram. Das 186 espécies de morcegos registradas no Brasil, ao menos 81 já foram encontradas em cavernas. Atualmente, os morcegos podem ser classificados como Essencialmente Cavernícolas, Cavernícolas Oportunistas ou Não Cavernícolas. Ou seja, algumas espécies têm nas cavernas seu único abrigo, enquanto outras podem usá-las apenas temporariamente. Há também as que não se abrigam em cavernas.
Os métodos mais comuns de pesquisa com morcegos envolvem as redes de neblina, similares às redes de pesca, mas estendidas verticalmente por alguns metros ao longo de trilhas ou de maneira a interceptar os morcegos durante o voo. Há também o uso de equipamentos de bioacústica, que captam e gravam o som que os morcegos emitem enquanto se orientam no espaço, a chamada ecolocalização. Estas frequências são bem mais altas que aquelas que os ouvidos humanos conseguem ouvir, por isso a necessidade de equipamentos especiais. Aline ressalta que pesquisas em ambientes cavernícolas em muito se diferem dos ambientes externos: “Em cavernas, o acesso pode ser difícil e perigoso, exigindo habilidades específicas e equipamentos especializados. Muitas vezes adentramos em ambientes ainda não explorados, que necessitam do uso de técnicas de ascensão em corda (vertical) ou com passagens estreitas e rios subterrâneos, por exemplo. Além disso, em cavernas podem existir grandes populações de morcegos, sendo necessário uma avaliação técnica criteriosa sobre a melhor metodologia a ser utilizada para não causar impactos nestas populações.”
Os estudos sobre morcegos cavernícolas vêm crescendo no Brasil nos últimos anos. Um dos motivos para isso são as exigências legais atreladas aos estudos de impacto ambiental para empresas que atuam em áreas de cavernas, como as mineradoras, e construtoras envolvidas com hidrelétricas ou rodovias, por exemplo. Os estudos mais recentes têm dado enfoque em aspectos biológicos e ecossistêmicos, e essas pesquisas buscam entender os motivos que levam os morcegos a escolher as cavernas como abrigo, como eles usam estes ambientes, a fidelidade aos abrigos, e a reprodução em cavernas. Outras pesquisas investigam os parasitas que afetam morcegos cavernícolas, suas interações, a ecolocalização, e a contribuição dos morcegos cavernícolas como supressores de insetos, incluindo alguns de interesse econômico.

Sobre a Autora


O interesse de Aline pela espeleologia surgiu quando foi convidada para ajudar numa pesquisa de campo durante o carnaval, em Minas Gerais. A experiência que ocorreu na Serra da Piedade a instigou a conhecer mais sobre esses ambientes e seus “moradores”. Atuando depois no Grupo de Espeleologia GuanoSpelo, e em consultorias ambientais, seu foco inicial era nos invertebrados. O interesse por morcegos veio ao iniciar o mestrado na PUC-Minas, quando estudou duas grandes colônias de morcegos nectarívoros da espécie Anoura Geoffroyi.
Aline nos conta um episódio marcante de suas experiências em pesquisas em cavernas: “A primeira vez em uma caverna com uma grande concentração de morcegos foi marcante. Em 2014, trabalhando no interior de Minas Gerais, visitei uma caverna com uma numerosa população de nectarívoros. Com tanta produção de guano, a quantidade de baratas era enorme. A caverna tinha teto baixo, e para chegar ao fundo era necessário engatinhar e rastejar no chão coberto de baratas de até 10 cm (Blaberidae). Coisas que não incomodam o espeleólogo que gosta de morcego.”